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Nas Asas da Águia de Haia

| Última alteração: 06/11/2021 |

IMPORTANTE para sua diversão: esta história começa em um post no Instagram da Fraternidade sobre o “Dia da Cultura e da Ciência”, e você vai curtir muito mais a trama começando por aquele post, então, por favor, comece por lá.

Wagner e eu estamos, sim, em 2039 agora, mas não temos mais o céu azul.

Usamos dispositivos RV e nos locomovemos virtualmente, dentro de uma rede de metaversos, que são realidades virtuais que (por decisão amplamente aceita mundo afora) simulam a Terra como ela era antes, em 2021, uma época difícil e mesmo assim muito mais amena que o presente.

Projetamos nossas mentes via Internet até a Feira, somos virtuais aqui, no avião, sei disso com amargura, mas até o gosto do chocolate que o comissário de bordo nos trouxe ainda há pouco parece tão… real.

Olho para o Wagner, que cochila ao meu lado, e tenho vontade de lhe tocar os cabelos, mas não quero que ele acorde, e depois me volto mais uma vez para a janela virtual, do avião virtual, e desejo no mais fundo do meu coração que tudo o que eu via fosse verdadeiro.

Mas, me forço a lembrar de novo: nós não estamos em um avião de verdade.

Somos exemplares dos que sobreviveram, privilegiados vivendo trancados em casa, em uma confortável prisão incrustrada no coração rochoso de montanhas, junto das pessoas que amamos, protegidos das tempestades terríveis que castigam com truculência o planeta do lado de fora agora o dia todo, todos os dias, em um caos climático anunciado e não evitado.

Há muitas décadas todos nós já sabíamos que era preciso zerar as emissões de carbono, usando apenas energias renováveis, estabilizando a temperatura global o mais baixo possível.

Compreendíamos que era preciso reduzir drasticamente a poluição do ar, a acidificação dos oceanos e a pressão absurda sobre a biodiversidade do planeta.

Sabíamos que era preciso, para ontem, arrancar o carbono já lançado na atmosfera que estava superaquecendo o planeta, plantando bilhões de árvores.

Tínhamos que fazer coisas tão simples quanto parar de comer tanta carne vermelha, consumir menos amido, e ingerir mais proteínas vegetais, mais frutas e castanhas, abandonar os excessos, abraçar o saudável, viver de forma sustentável.

Era imperioso que alterássemos o modelo industrial produtivo linear para um modelo circular, onde as matérias-primas sempre podem ser recicladas, em uma economia planejada para reduzir ao máximo a miséria, a desigualdade.

Mas tudo isso teria gerado custos e sacrifícios, claro, e a maioria dos ricos não quis reduzir seus luxos e desistir de seus apetites. Por sua vez, a maioria dos pobres queria luxos que jamais tiveram, almejava saciar apetites há muito mantidos em calabouços dentro de si, não importava a eles o amanhã.

Sabíamos há muito tempo o que fazer para manter abaixo dos 1,5 graus o aquecimento global. Não fizemos, e ninguém foi inocente. Bilhões morreram quando, finalmente, o clima enlouqueceu, e a culpa é de todos.

No entanto, perigosamente perto de extinguir a si mesma, a humanidade, em um esforço final gigantesco e muito tardio de autopreservação, conquistou tecnologias antes apenas sonhadas.

Quando nós desembarcamos e, depois de deixar as malas no hotel, enfim cruzamos os portões magníficos sob a titânica e maravilhosa torre espiralada de carbonato de cálcio, símbolo da Feira Mundial de 2039, meus olhos marejavam e meu coração se apertava a cada pavilhão sensacional que conhecíamos. Nossa espécie tinha tanto potencial!

Assim que chegamos, animados, ao Pavilhão dos Pesquisadores e vimos o ÁGUIA DE HAIA (ele ganhou esta alcunha ao impressionar o mundo, defendendo diversos temas relevantes em Haia, na Holanda) eu e Wagner perguntamos ao mesmo tempo, em tom divertido:

— Em que língua quereis que eu fale? — e o intelectual que viemos conhecer, em sua versão digital, sorriu, o olhar vívido demonstrando lembrar que foi isso o que ele disse na Conferência de Paz. Em 1907, ele já falava praticamente TODOS os idiomas

— Vós sois pândegos, por certo, a imitar-me. Vieram de minha amada terra natal, a propósito de ter comigo e perguntar-me cousas, então deitem fora suas boas perguntas, vamos prosear.

Quisemos saber sobre tudo o que ele vivenciou na consolidação do Brasil república, e de sua cisma posterior com o sistema republicano, mas ele também possuía curiosidades. Perguntei se ele não tinha acesso a todas as coisas atuais pela Internet, e ele rebateu:

— Pois vieram a mim para enxergar o Brasil de antanho pela minha ótica, pois não? Quero o mesmo, ver minha nação de agora pelos olhos dos dois.

Ele está vivo mesmo, ali, diante de nós!

Estendemos, portanto, uma ponte temporal e conversamos sobre os descendentes dele e o que fizeram, depois ele quis saber sobre jornalismo, e a seguir falamos sobre a Última Flor do Lácio, nossa língua portuguesa. Perguntamos a ele sobre sua diplomacia, política, direito, cultura e sobre ciência, onde ele também nos fez perguntas sobre os desafios científico atuais, e esmiuçamos as ações no passado do G20, grupo dos países com maiores economias do mundo como eram em 2021, ano em que o Brasil quase demoliu sua democracia, e estendemos o papo para um revisão da conferência COP 26 e as sucessivas reuniões mundiais depois dela, para conter as mudanças climáticas, a falta de comprometimento dos poderosos, a falha sistemática da política mundial em erradicar a economia não sustentável, o negacionismo, a anticiência, ou seja, a soma de tudo o que gerou a beira do abismo, oportuno e terrível, em que nos equilibramos agora, em 2039.

Ele absorve tudo atentamente e, em determinado momento, nos pergunta:

— Digam-me, gentis compatriotas, quero ouvir de vós, diante do possível ocaso de nossa gente no mundo, o nosso gigante adormecido finalmente desperta? Nosso Brasil sedia, enfim, importantes conferências, como a da Paz, e, portanto, toma a frente de decisões que urgem liderança?

Wagner tomou minha mão e novamente respondemos como uma só voz:

— SIM, Ruy Barbosa.

Fim, com Esperança.

Wagner, Ruy e Bia, Feira Mundial de 2039, foto editada para parecer antiga.
(fake, claro, mas não seria incrível se fosse verdade?)

Wagner RMS & Bianca Matos.

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