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Pedro Tanishq e a Astronomia

| Última alteração: 02/12/2021 |

IMPORTANTE para sua diversão: este artigo começa em um post no Instagram da Fraternidade também com nome “Pedro Tanishq e a Astronomia”, e você vai curtir muito mais esta parte aqui começando por aquele post , então, por favor, comece por lá.

Arqueoastronomia

Pedro, então, posiciona o ponto inserçor na lateral da própria cabeça e… dispara.

Pedro deixa de existir.

Ele se torna outra pessoa, agora nasceu e viveu num grande assentamento neolítico por volta de 7000 a.C., no lugar que hoje conhecemos como Turquia. O menino se chama Pinu Fa-Zari e tem 12 anos.

Pinu e as pessoas que com ele convivem, moram em casas construídas com tijolos feitos com argila aluvial retirada de um rio que por ali passava naquele tempo. Não há ruas ou trilhas entre essas casas, é uma das primeiras cidades e as residências são agrupadas em um labirinto mais ou menos em forma de favo de mel. Você entra e sai de casa por alçapões nos tetos e convive com seus vizinhos perambulando pelos telhados, e é ali que Pinu está, ao lado de sua mãe, Hanfasuit, de mãos dadas com ela, olhando para o céu.

Modelo do assentamento neolítico (7300 a.C.)

Um céu sem as luzes artificiais das cidades atuais, sem poluição, um veludo negro apinhado de pó de diamantes.

— Minha mãe, — diz Pinu — o que eu vejo?

— Pinu Fa-Zari vê o teto do mundo. Assim como Hanfasuit e Pinu estão no teto de casa, ali estão nossos ancestrais no teto de suas casas, ao lado de deusas e deuses, olhando para nós, a noite é quando este e o outro mundo se encontram e partilham segredos.

— Que segredos, mamãe? — murmura Pinu, os olhinhos se arregalando para a noite estrelada.

— Eles dizem quando podemos plantar, quais são as boas épocas de colher, quando viajar, e quando temer o grande frio.

E Pinu, como as crianças fazem, em especial aquelas que vão mudar o mundo, se pergunta se a mãe, mesmo tão sábia, realmente sabe o que é o céu.

Um clique e Pedro-que-também-é-Pinu deixa de existir.

Astronomia Babilônica

Ele se torna outra pessoa, agora ele é o pequeno Kidinnu.

Nascido por volta de 350 a.C., o menino de 12 anos caminha ao lado de Anunit, sua mãe, por uma avenida ladeada de imponentes construções e iluminada por grandes fogueiras. No início desta larga rua, que termina nos portões da metrópole, está um zigurate e o Ebabbar, a casa brilhante, obra do famoso rei Hammurabi, um templo em homenagem a Shamash, deus solar da justiça.

Anunit e seu filho, portanto, vivem em uma de duas cidades gêmeas muito importantes, chamada Sippar de Shamash, local de culto e conhecimento, cercada por poderosa muralha. Os dois, a princípio, caminham em silêncio, a mulher carrega uma capa de couro contendo tábuas repletas de escrita cuneiforme, ela é uma bibliotecária. Puxando assunto, ela diz ao menino:

— Estão lindos os astros esta noite, meu filho.

— Mãe, quero ser um astrólogo. — afirma o menino, olhos fixos em estrelas cadentes.

A mulher sorri, com um só canto de sua boca, exibe a capa de couro contendo as tabuletas ao seu menino e exclama:

— Com a aritmética que estudaremos juntos, você será um astrônomo, Kidinnu, um estudioso que vai descobrir como funciona o céu! Sem você os astrólogos não terão seu pão.

Um clique e Pedro-Pinu-Kidinnu deixa de existir.

Astronomia Grega

Novamente mudado e renascido, agora ele é menino grego de 12 anos, de nome Endymion, que mora em Samos, uma ilha no mar Egeu, cidade de mesmo nome ao sudoeste da ínsula.

É o final de uma tarde quente e um artista se apresenta na ágora, a grande praça popular logo atrás da acrópole de Samos, o centro religioso sobre a colina de Kastro. Ali perto as constantes ondas do mar batem no porto de  Pythagoreion. O espírito juvenil de Endymion observa tudo aquilo como quem vê algo grandioso e que, por ingenuidade, crê ser eterno. Crianças e adultos de todas as civilizações e cidades acreditam que seu mundo durará para sempre, mas sempre o que sobra é somente seu legado à humanidade. Não será diferente com a civilização helenística do rapaz.

— Endymion! — chama Calliope, sua mãe, a certa distância na praça — vem, filho, precisa conhecer o filósofo.

E assim que o moço se une a ela e ao homem grisalho que está com ela, Calliope os apresenta:

— Este, meu filho, é mestre Aristarkhos, quero que seja discípulo dele, sempre que o sábio estiver em Samos.

— Seguirei seus ensinamentos, — curvou-se Endymion — até o fim dos oceanos e além das bordas do mundo, senhor, nas esferas do cosmos do qual nossa terra é centro.

— Vejo que é instruído, jovem Endymion. Mas sua família — e Aristarkhos inclina de forma sutil, mas muito respeitosamente, a cabeça em direção à Calliope — me contrata para lhe fazer pensar, um pensamento que, como a boa filosofia propõe, desafia paradigmas. Talvez, jovem, não existam bordas no mundo, tão pouco nossa terra seja o centro de tudo. Especulamos, hoje, se não é o Sol, este sim, no centro de nosso cosmos, em torno do qual giramos, nós próprios assentados sobre esferas? Parece tolo?

— P-parece, senhor. — responde, tímido, o menino, e aponta em direção ao porto de Samos, que recebe os últimos raios do Sol poente, e completa: — meu pai diria que devo pensar nos barcos da família e deixar o cosmos para os deuses.

— Sábio, seu pai, Endymion. Mas os deuses nos deram olhos para cuidar de nosso patrimônio, mas também para ver aquilo!

Aristarkhos aponta para o astro rei que mergulha no horizonte explodindo em raios dourados e tingindo de fogo e brasa o céu grego.  Um vento forte cruza a ágora e Endymion escuta a poderosa voz do filósofo se elevar acima do rugido do mar:

— Qual mecanismo está sob esse poder e essa beleza, Endymion?

Um clique e Pedro-Pinu-Kidinnu-Endymion deixa de existir.

Astronomia Renascentista

Quem é ele desta vez?

Galileo di Vincenzo Bonaulti de Galilei está cansado das gentes deste nosso mundo. Obtusas, míopes a sua própria pequenez, Galileo se revoltava com as autoridades instituídas, e odiava a estupidez destas e a estupidez que estas impunham ao povo, para dominá-lo!

Seu filho ilegítimo, o miúdo Vincenzo, sabia com a mais absoluta certeza sobre essas revoltas do pai. Não era ele, rapazote, a ouvir o pai maldizer em sua sala de estudos as insanidades da Igreja e dos Homens?

— Maldição! — vociferava Galileu Galilei, brandindo uma carta que recebeu de um oficial da Igreja — Me retratar! Me retratar! Malditos! Obscurantistas! Negacionistas do saber e da verdade!

Marina era a mãe de Vincenzo, verdadeira paixão do grande astrônomo fora do casamento dele com a esposa chamada Giullia. Marina também se preocupava com o sábio e até aonde podia levar sua revolta contra os poderosos. No mínimo a uma síncope, na pior das hipóteses a uma fogueira, quem sabe. Não, não queria ver aquilo. Pegou a casaca do homem e o pôs porta a fora, dizendo:

— Não posso ir contigo, Galileu, mas pega Vicenzo e parte para rua agora, quero que tome um ar antes que desmorone feito as muralhas de Jericó! Vincenzo, toma conta do seu pai, voltem assim que ele estiver mais calmo. Converse sobre as ciências com ele, pelo amor de Deus, é só o que o acalma.

Galileo e Vincenzo caminham silenciosos, mas cúmplices, lado a lado, pelas ruas de Florença, uma das cidades mais belas do mundo, com seus aspectos históricos, culturais e artísticos.

Vincenzo, sabendo ser o pai devoto católico romano, o leva para passear pela Basílica de Santa Cruz e, dali, vão até o mirante admirar o pôr-do-sol da Piazzale Michelangelo, de onde avistam, de uma só vez, o Duomo da Catedral de Santa Maria del Fiore, a Ponte Vecchio cortando o Rio Arno e as ruínas das antigas muralhas da cidade.

Vincenzo, tomado pelo frescor de sua juventude, sorri diante do encantador panorama florentino. Seu pai já há vários minutos não esbravejava mais e isto, mais o pôr do sol ali no mirante, literalmente radiante, deram ao menino coragem de falar.

— Pai… qual mecanismo está sob esse poder e essa beleza?

— Vincenzo… filho… as pessoas querem parar de sentir medo. Elas têm medo de não serem superiores aos outros seres vivos deste mundo. Têm medo de não serem criaturas de Deus. Têm medo de não serem prediletos d’Ele. Daí, as pessoas tem medo de ver além do mundo que inventam para se consolar.

Galileu Galilei suspira e continua falando ao seu filho:

— Creio que nunca disse isso a ninguém, mas essa vista, que eu e você vemos agora, me inspirou profundamente. Me fiz, de certa forma, essa mesma pergunta que você acaba de me fazer, e investiguei o Universo. Descrevi manchas solares e com o telescópio revelei segredos escondidos a milênios. Vi que o planeta Saturno é coroado por anéis esplendorosos! Mostrei a todos, você mesmo viu, foi grande a euforia! Revelei ao mundo as várias luas de Júpiter. A própria Igreja me persegue e encurrala, pois mostrei, em definitivo, que Vênus e os demais planetas estão girando em torno do Sol, e não o inverso! Atravessei o palco, fui além da cortina do teatro cósmico!

— E o que viu, papà? — quis saber o garoto, cujos olhos se arregalavam, cujo coração palpitava diante dos feitos de seu pai.

O rosto do grande desbravador dos céus, luminoso a um instante, se consternou, obscurecido.

— É possível vislumbrar a vasta mecânica que rege o firmamento e o mundo, filho… mas isso vai te tornar o mais solitário dos homens, nesta terra que se alimenta da ignorância.

Um clique e Pedro-Pinu-Kidinnu-Endymion-Vincenzo deixa de existir.

Astronomia Contemporânea

Algo estava errado, ele pensou, deveria ter 12 anos.

Mas o reflexo que via de si mesmo na janela da rodoviária, escurecida pela nevasca que começa a cair lá fora e, portanto, mais reflexiva, era o de um rapaz bem mais velho, uns 18 anos, talvez.

Mas assim como surgiu, a sensação de estranheza desapareceu, ele é outra pessoa agora.

O homem que fala com ele tem que tocar seu ombro e repetir seu nome:

— Neil, não fique preocupado. O que pode acontecer é o ônibus não conseguir atravessar a nevasca e retornar. Me empreste o livro que te dei, por favor.

Neil dá a Carl, o homem que havia falado com ele, o livro que tinha em mãos, um exemplar de The Cosmic Connection. Carl abre o livro e, com uma caneta que saca do bolso, anota algo ali, devolve o livro ao rapaz e diz:

— Este é o número de telefone da minha casa, se o ônibus voltar para a rodoviária, me ligue imediatamente, venho te buscar e você passa a noite com minha família, tudo bem assim?

— Obrigado, doutor Sagan. Muita gentileza do senhor.

— Eu que agradeço, Neil, foi um dia proveitoso. Ficou animado com as instalações acadêmicas?

— Os laboratórios da Universidade são incríveis, doutor Sagan.

— Precisamos de mais e mais jovens como você nas nossas Universidades, Neil, o Cosmos é vasto demais para ser explorado por um punhado de coroas.

Neil, mais calmo, contém uma risada. Vinte minutos depois aperta a mão do cientista e embarca em seu ônibus, rumo a sua casa. Comovido, vê o gentil professor acenar enquanto parte.

O rapaz observa a neve girando e girando, em padrões geométricos, tornando o mundo muito pequeno, indo pouco além do ônibus em movimento. Mas Neil não se ilude, mesmo jovem, ele já compreende que todo o planeta Terra, com toda a gente e os seres vivos nele, e com toda a sua história milenar, é não mais que uma molécula de água no talvez infindável oceano cósmico.

Não assustado, mas aquecido por essa percepção, o futuro cientista se acomoda no assento e recosta a cabeça contra o apoio. Em um minuto Neil adormece e sonha. Ele vai esquecer o sonho, evidentemente, cérebros humanos precisam de sua percepção particular do tempo para operar, mas como as leis físicas funcionam em qualquer direção da seta do tempo, Neil vislumbra o futuro.

O futuro de seu mentor e amigo, o doutor Carl Sagan, cuja sensibilidade, inteligência, humanidade e devoção ao conhecimento vai inspirar muitos a estudar, ensinar e fazer ciência.

A ciência é uma empresa cooperativa, abrangendo as gerações, e o jovem está muito feliz de fazer parte desse empreendimento infinito.

Em seu sonho, Tyson vê o professor Sagan se tornar autor de mais de 600 publicações científicas e de mais de vinte livros de ciência e ficção científica. Carl vai ganhar o Prêmio Pulitzer de Não Ficção Geral pelo seu livro The Dragons of Eden. Vai coescrever e protagonizar a série de TV Cosmos: Uma Viagem Pessoal, que ganhará o Prêmio Emmy e renderá também o livro Cosmos, fazendo a astronomia e a ciência se tornarem integrantes da Cultura Pop. Tyson, em suas visões oníricas, se empolga ao ver o professor Sagan escrever o livro de ficção científica Contact, narrando de forma realista um primeiro contato com uma civilização não humana e superior tecnologicamente.

Visionário, e incapaz de nos crer sós no Universo, Carl promoverá o projeto SETI, uma busca ativa de sinais de rádio vindos de inteligências extraterrestres e institui envio de mensagens a bordo de sondas espaciais, destinadas a informar possíveis civilizações lá fora sobre a existência humana, de um modo potencialmente compreensível para elas. As sondas Pionner 10 e 11 vão conter placas anodizadas com as primeiras mensagens concretas da espécie humana lançadas ao espaço exterior, e as sondas  Voyager vão alcançar o espaço interestelar levando gráficos, imagens e as vozes dos habitantes da Terra para o Universo, dentro de Discos de Ouro cujo conteúdo será selecionado por um comitê da NASA chefiado por Carl Sagan. Ele vai participar de inúmeras missões da Nasa de exploração planetárias com sondas automáticas, e a partir de suas observações da atmosfera de Vênus, será dos primeiros cientistas a estudar o efeito estufa, em escala planetária, capaz de tornar um planeta descontroladamente quente e impróprio para a vida. Carl será pioneiro também no alerta para o perigo crescente do aquecimento global em nosso mundo.

O talento de Carl para transmitir não só suas ideias, mas também suas emoções, seu fascínio pela compreensão do universo por meio da ciência, simultaneamente enfatizando o valor da vida e da humanidade e a insignificância da Terra em relação ao Universo, serão conceitos que vão cativar e empolgar toda uma geração, um destes é Neil.

Tyson, inscrito na Cornell University onde Sagan leciona (por isso o encontro entre eles), vai acabar optando por cursar a Harvard University e estender seus conhecimentos na University of Texas e na Columbia University. O menino será o diretor do Planetário Hayden no Rose Center for Earth and Space da cidade de Nova York. Será também autor de muitos livros sobre astronomia, vai ganhar um sem-número de prêmios, participar ativamente de discussões sociais e científicas as mais importantes, e se tornará o apresentador de uma versão atualizada da série de TV Cosmos, que se chamará Cosmos: A Spacetime Odyssey, que vai conclamar uma nova geração a se apaixonar por descobertas.

Mas, mesmo diante de uma trajetória reluzente para si, Neil se encolhe dolorosamente em seu sono, pois vê a morte de Carl, prematuramente aos 62, de câncer, após árdua luta por viver mais… Somos poeiras de estrelas… O professor volta ao Universo.

Acordando com os olhos marejados, o rapaz sente que vivenciou coisas extraordinárias, mas não lembra delas.

Fora do ônibus a tempestade parece estar melhorando, e Tyson sente que dentro de si há outra tempestade se formando, um choque entre a ânsia pelo conhecimento contra as dores e os desafios de se viver.

Ajeitando-se no assento, ele pega o livro que Sagan lhe deu e abre folheando as páginas. Dali cai um pedaço de papel, com o número de telefone da casa do professor, que escreveu de fato no livro a frase: “Para Neil Tyson, desejo tudo de bom para um futuro astrônomo. Carl Sagan”.

Um clique e este Neil deGrasse Tyson solitário deixa de existir, somando-se à correnteza sem fim da Vida. Ele agora faz parte de Pedro-Pinu-Kidinnu-Endymion-Vincenzo- Neil para sempre.

Epílogo

Pedro e sua mãe, Mara Tanishq Silva, desligam os pontos inserçores na lateral de suas cabeças, desconectando-se, portanto, da Internet e do Metaverso. Estão sentados lado a lado em gostosas almofadas no quarto de Pedro.

É o fim de mais uma aula remota de história da ciência do colégio do menino, mediada por Mara. Nestas imersões ao menos um dos pais deve estar presente, sempre.

— Mamãe, essa parada nova de imergir nos conectomas das pessoas é demais!

— É como vestir a alma delas, né?

— Isso, isso! Demais! E uma parte deles fica com a gente.

— Sim, o Metaverso te dá o melhor de cada uma dessas pessoas.

— Mãe…

— Filho?

— Eles existiram mesmo?

— Sim, Pedro, com algumas liberdades poéticas, tudo é verdade, cada um de nós deixa sua marca no espaço-tempo, é dali que vêm os conectomas. Neil, na verdade, está muito vivo ainda, explorando.

— O doutor Sagan também foi real… — murmura o menino, fascinado.

— Quer ver um vídeo sobre algo que ele escreveu a respeito de um pálido ponto azul? É lindo.

Os olhos do menino brilham de curiosidade.

Fim, Esperançoso, Sempre.

Wagner RMS & Bianca Matos.

Pálido Ponto Azul, de Carl Sagan.

Referências:

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