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Fuga na Noite

| Última alteração: 05/11/2021 |

IMPORTANTE para sua diversão: esta história começa em um post no Instagram da Fraternidade com o mesmo nome, “Fuga na Noite”, e você vai curtir muito mais a trama começando por aquele post, então, por favor, comece por lá.

Você foi testemunha, viu aqueles três tripulantes do cruzeiro afogarem um homem, e, após descer as escadas de emergência e se esconder em uma das salas de fuga, você acreditou que estava livre em seu esconderijo, mas os assassinos chegaram, vasculhando com suas lanternas sala por sala e, que sorte, começando justamente pela sua.

Não havendo mais para onde se esgueirar, você se arrastou e se trancou dentro de um dos botes salva-vidas, cujo objetivo era escoar a tripulação e os passageiros para fora, se houvesse um desastre, e mantê-los vivos até chegar resgate. De dentro de seu último refúgio, com seu coração e respiração disparados e suas mãos trêmulas tapando sua boca, você fez o possível para ficar em silêncio enquanto observava os feixes de luz das três lanternas girando na escuridão, se entrecruzando, varrendo e investigando cada canto, cada pilha de caixas, cada possível lugar onde você pudesse estar.

— Ei, não se preocupe, não tenha medo! — disse, com a voz rouca, em um tom baixo, mas reverberante, um de seus perseguidores — Você não entendeu o que você viu, vem cá, vai ver que está tudo bem, o cara na piscina está bem.

Sua vontade era gritar um “porra nenhuma, vai se fuder!”, mas suas mãos se comprimiam mais fortemente contra seus lábios e lágrimas começaram a embaçar sua vista.

Questão de um ou dois minutos até eles vasculharem os botes salva-vidas. Pensa! O que fazer? Tem que… espera! Os manuais para passageiros, o que fazer nas emergências, você sabia como… expelir o bote. Sorte sua que possuía uma memória quase fotográfica.

— Você entende que vamos te achar! — a voz do assassino foi ficando cada vez mais perto — Sai logo de onde está.

Ao seu lado, dentro do bote, havia um mecanismo contendo um ferrolho que soltava uma capa de proteção, dentro dela uma pequena alavanca que exporia um teclado. Cada tripulante e passageiro tinha seu código, sua senha…

— As coisas só vão ficar piores…

Uma de suas mãos deixou sua boca e, o mais silenciosamente possível, soltou o ferrolho, ergueu a tampa.

— … mais dolorosas pra você, porra!

Seus dedos suados empurraram a alavanca e você errou na digitação do teclado. Apagar, você pressionou a tecla que apaga tudo que foi digitado errado, e fechou com firmeza o punho por um segundo.

— Basta soltar o ar, relaxar, e outro mundo vem a você…

Você tentou novamente, número por número digitando algo que iria te lançar para… para onde? Quem iria saber que você estava lá? E se sabotassem seu bote, ou os sinais de socorro? Alguém ainda a bordo poderia fazer isso?

Com o dedo indicador em cima do botão que enviaria sua senha e liberaria o bote, você hesitou. Foi quando o feixe de luz entrou pela vigia do bote, rasgou a penumbra e lhe cegou. Você pressionou o botão! Luzes estroboscópicas de alerta começaram a piscar dentro e fora do bote, em um segundo ele seria ejetado.

O segundo passou, e a escotilha do bote se abriu para o exterior.

Dois dos três tripulantes saltaram para dentro, um deles derrubou você, girou enquanto se atracava contigo, e finalmente te imobilizou com o peso dele, muito maior que o seu. Seu rosto, sob uma das mãos de seu atacante, estava espremido contra a parede bem ao lado do teclado onde ainda há pouco você digitou sua senha. O outro assassino digitou seu próprio código ali e falou:

— Imbecil! Você ia morrer lá fora se conseguisse isso, — ele pressionou o botão de envio de sua senha, enquanto falava — mas de qualquer forma os botes só ficam livres pras senhas dos passageiros quando estão cheios e tem uma emergência de verdade acontecendo!

As luzes estroboscópicas se apagaram. Enquanto você gritava e esperneava, lutava por sua vida, os assassinos foram te arrastando para fora do bote, para fora da sala de emergência, pelos corredores, em direção a um elevador de carga.

De repente você sentiu algo ser grudado contra seus lábios, algum adesivo que te impediu de gritar. Em seguida foram seus pulsos que foram atados, com as mãos atrás de seu corpo. Você chorava bastante enquanto gemia o mais alto possível, mas não pode evitar de entrar no elevador, não havia defesa, não  havia como fugir de seus captores. Parou de gritar e respirou fundo para afastar a intensa tontura que sentiu.

As portas do elevador se abriram, estava em um canto do deck das piscinas. Você voltou a se debater e gritar, mas afora você e seus três assassinos, não havia ninguém mais por lá, e parecia que ninguém se importava. Tem câmeras para todo lado, onde estava a segurança?

A força bruta de seus captores te levou em direção a mesma piscina onde você testemunhou a morte de um passageiro. Você tentou, em vão, gritar mais alto e se soltar das garras daqueles três homens, mas a água da piscina parecia escura e gélida, enquanto se aproximava de seus pés. Um grito gutural, instintivo e agoniado subiu por sua garganta, mas, mais uma vez, foi abafado pelo adesivo em sua boca.

Os tripulantes te colocaram na água, as mãos de ferro de seus assassinos seguravam seus braços, seus ombros, você lutava para não afundar, sem conseguir resistir, mais um instante e estaria se afogando.

Foi quando o homem que você viu morrer emergiu da água da piscina, bem na sua frente.

Você se imobilizou.

Silêncio.

O homem, que deveria estar morto, sorriu.

— Viu? — Disse aquela voz, já conhecida, de um de seus captores, vinda de cima e de fora da piscina — Você se enganou. Ninguém morreu de verdade.

Seus olhos piscaram, sem compreender nada. Você tentou olhar para cima e para trás, resmungando uma pergunta incompreensível, raivosa. Voltou a olhar para frente, para o homem que acabou de emergir da água. Ele ainda estava sorrindo, e falou:

— Eu estou bem, até melhor agora, esses cavalheiros estavam me ajudando em uma espécie de batismo, podemos chamar assim. Fiquei nervoso, mas ficou tudo bem. Não precisa ter medo.

O homem ergueu uma das mãos e foi retirando o adesivo em sua boca, enquanto continuou a falar:

— Podemos tirar isso, né? Melhor sem isso.

— Que merda toda é essa? — você perguntou assim que pôde falar de novo.

— Esses três senhores vão apenas fazer esse… batismo simbólico em você, basta manter a calma.

— Algum tipo de trote?

— É sério, algo importante agora.

— Prefiro não fazer…

— Olha pra mim, estou bem, não seja uma pessoa babaca, desligada da comunidade.

Os olhos do sujeito pareciam os de algum tipo de monge, gentis, sinceros, confiáveis.

— Só relaxe, isso, calma, e num instante passa e você, se sentindo bem e em harmonia, vai lá fazer suas coisas.

Você olhou para trás assim que percebeu que suas mãos estavam sendo desatadas.

— Viu? Nada a temer. — O sorriso tranquilo do homem se ampliou um pouco mais, cativante.

Parecia tudo bem, seria fácil apenas deixar aquela maluquice acontecer e depois voltar para sua cabine… conversaria com os seguranças e o capitão no dia seguinte, para entender melhor.

Mãos gentis tocaram em seus ombros e começaram a te empurrar para dentro d’água, sem resistência sua, enquanto o homem que havia te convencido a se acalmar se afastava para o lado. Sua cabeça entrou na água em uma das bordas da piscina, então, debaixo d’água, você olhava para frente, toda a grande extensão daquela piscina à sua frente. Você sabia que a água era turva para que o exterior pudesse ser visto pelo fundo de vidro sem interferência das luzes a bordo. Mas a água não era completamente opaca, o que estava próximo podia ser visto razoavelmente bem, e o que estava longe surgia como uma sombra.

Desse modo você viu quando a sombra de algo parecido com um grande poste articulado surgiu a certa distância, vinda do fundo. O primeiro poste foi seguido por outros, igualmente articulados, parecendo imensos braços ou pernas.

Você tentou emergir, sair dali, mas as mãos em seus ombros, menos gentis naquele momento, ainda te forçavam para baixo. Você ouviu os três tripulantes que te mantinham dentro d’água falando algo repetitivo do lado de fora, mas não entendeu o que diziam.

O vulto lá na frente, sob a água, se ergueu do fundo e se agigantou. Seu fôlego começou a lhe faltar assim que percebeu que aquela coisa parecia um tipo de aranha gigante, vindo em sua direção.

Com ainda mais fúria você começou a se debater. Tomou um encontrão de algo que veio de cima, percebeu em seguida ser um de seus captores que havia caído dentro d’água ao seu lado, isso te incentivou a se debater mais, mas ainda não conseguiu respirar e acabou, instintivamente, pondo o resto de seu ar para fora quando viu a coisa imensa que emergiu das profundezas tomar a forma de algum monstro abissal.

Bolhas de ar escaparam de sua boca, junto com seu grito de horror submerso, enquanto você se virou e tentou alcançar a borda da piscina e se puxar para fora. Mas lá estava o tripulante que caiu na água te puxando de volta para a piscina, e as mãos dos outros dois te empurravam para dentro dela.

Dois não, um. O terceiro havia desaparecido. Por um segundo você conseguiu pôr a cabeça fora da água e aspirou profundamente oxigênio, mas em seguida foi arrastado para a água de novo, e viu que a coisa do abismo, aquele demônio submerso em forma de aranha, estava terrivelmente próximo.

Em um último e desesperado esforço tentou chutar o homem que te puxou para baixo e subiu agarrando o braço daquele que estava fora da piscina, mas neste instante foi seu braço que foi agarrado, depois o outro braço também foi agarrado e te ergueram para fora d’água de uma só vez, te arremessaram no chão ao lado da piscina.

Gritando e cuspindo, você tentou retirar a água dos olhos, enquanto socou o ar, tentando bater em alguém que se inclinava sobre você no chão.

— Corre! Foge! — era uma mulher, de cabelos negros, pele muito morena, olhos azuis, que estava te pondo de pé e dizendo: — Prá lá, foge!

Você olhou em volta, seu rosto transformado em uma carranca de medo. O monstro imenso emergia da piscina, seu corpanzil disforme repleto de cascatas d’água que escorriam dele enquanto a coisa se ergueu. Seus olhos eram quatro imensos orbes escuros como abismos negros, enigmáticos, assombrosos. Ali perto um homem de pele clara e grandes olhos expressivos gritava:

— Vem não, cara, vem não que eu sei lutar! — Ele gritou para um dos três tripulantes que avançou sobre ele, e quando o sujeito tentou atacar, foi rechaçado com um golpe no nariz, que o cara de olhos grandes lhe deu de forma desajeitada, com um bracelete metálico que lhe cobria o pulso e quase todo o antebraço direito. — Avisei, filhodaputa!

A mulher de cabeleira negra e olhos azuis, que se posicionava de frente para a piscina e para o monstro que emergia dela, gesticulou e gritou novamente para você:

— Foge! Corre!

E é o que você fez, novamente subiu aos saltos as escadarias que contornavam o deck das piscinas, só que desta vez, no alto delas, você encontrou uma jovem tripulante, que vinha correndo em sua direção, ela trazia nos ombros insígnias de oficial de bordo, e você avançou para ela, como se a moça fosse uma boia capaz de te salvar de se afogar em um oceano de insanidade. Você, enquanto apontava para trás, gritou para a oficial:

— Aqueles dois! Precisam de ajuda! Tem um monstro lá! Um monstro!

A moça de uniforme chegou até você, parou ao seu lado e segurou seus ombros de forma gentil, mas foi lhe dizendo:

— Você não entendeu, tá tudo bem, volte pra lá, pra receber a bênção do escolhido.

Sua vista escureceu. Você bateu com toda a sua força contra o rosto desta moça, que desabou no chão. Você correu em desespero, empurrou e se desvencilhou de outras pessoas que encontrou pelo caminho, sem pensar, sem ouvir, você apenas gritava:

— Sair! Sair! Sair daqui! Monstro! Sair daqui! Sair!

Seus olhos injetados e a saliva que lhe escorria aos poucos dos cantos dos lábios, enquanto gritava, mostravam que você havia ultrapassado muito todos os seus limites, e que mergulhava em desesperada loucura.

Corredores e escadarias, elevadores e pessoas assustadas passaram por você, enquanto você corria em uma fuga que parecia não ter fim. Quando deu por si, estava de volta ao mesmo bote salva-vidas onde havia se escondido.

Lá encontrou o teclado. Pensou na escuridão lá fora. Pensou no horror ali dentro. Não conseguia respirar. Talvez nunca te encontrassem se saísse…

Mas aquela coisa também não encontraria você.

Digitou a senha do tripulante que havia lhe capturado e levado até as piscinas, você havia visto ele digitando, sua memória era excelente, não esquecia quase nada.

Apertou o botão final. Com um solavanco o bote salva-vidas se moveu, se posicionou, e com uma pequena explosão, foi expelido.

Você saiu, se salvou, estava fora, longe, mergulhando na escuridão, dentro de seu pequeno bote salva-vidas.

Na escuridão do espaço.

A grande nave espacial de passageiros, que fazia cruzeiro pelos recantos mais longínquos do Sistema Solar, levando terráqueos para sobrevoar e conhecer Júpiter, Urano, até Plutão e voltando para Terra após mais de década de viagem, estava se afastando rapidamente de seu bote salva-vidas.

O Sol, aliás, dali de onde você estava, parecia somente uma pequena estrela, entre muitas na vastidão daquela noite infinita, silenciosa, solitária, gélida.

Talvez alguém viesse. Talvez o resgate chegasse tarde demais. Talvez o monstro interferisse no sinal de socorro do bote.

Talvez seu corpo flutuasse para sempre.

Mas, sua mente frágil e trêmula pensou: o que mais você poderia ter feito?

(Continua em breve, na série C7i)

Reparou, né? Você leu ação, suspense, terror e… também ficção científica.

Com este texto nós quisemos, primeiro, divertir você, levar você para um mundo de ação, mistério e suspense, mas também quisemos te mostrar porque alguns especialistas literários consideram que a ficção científica não seria um gênero, mas sim um “modo” literário, aplicável a qualquer outro gênero. Você pode se divertir muito, viajando em tramas de amor, drama, comédia, thrillers e etc., e apimentar tudo isso com boa ficção científica, que pode te levar a mundos ainda mais desafiantes, inimagináveis e incríveis.

Se você gostou (estamos torcendo por isso!) e se nunca havia lido ficção científica antes, esperamos que perceba o potencial que ela tem, e que comece a procurar e colocar em suas coleções obras de ficção científica, apostamos que você só tem a ganhar. Especialmente se escolher ficção científica nacional, que anda muito boa!

Ah, e por fim, toda essa história que você curtiu acima faz parte da nossa série de ficção científica C7i, escrita pelo Wagner que já possui sete livros publicados. Especificamente esse ponto da história que você leu faz parte dos textos escritos para os próximos livros da série, são uma prévia do que vem por aí, mas se você quer saber que nave de cruzeiro é essa, como o tal monstro chegou lá, e quem são as pessoas que tentam enfrentar ele, e, em breve, o que aconteceu contigo, perdido na imensidão do vácuo espacial em seu bote salva-vidas (módulo de fuga), nós te convidamos a ler os livros do Wagner, será um prazer ter você em C7i.

Abraços,

Wagner RMS & Bianca Matos.

Espalhe seu amor pela arte e por nossa literatura:

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